Confinamento- As Crônicas de um Fotógrafo

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Confinamento- As Crônicas de um Fotógrafo

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O som do sinal interrompe minha fala. Imediatamente, pode ser ouvido o som de  livros sendo fechados sem vontade alguma, quase expulsando o interlocutor de seu espaço; no caso, eu sou ele, me deixando em uma situação extremamente desconfortável. Mesmo assim, não deixo de dar o aviso.
-Não se esqueçam dos resumos para semana que vem… as provas chegam e quero todos fora da escola ano que vem!

Deixo a sala de aula e imediatamente trombo Lili, a professora de matemática.

-Bom dia Rafa, como estamos?

-Muito bem! Agora vou pra casa, última aula. Vai pra onde?

-Acho que para o clube de fotografia. Você deveria tentar um dia.

-Ah, não é minha cara. Curto mais as coisas concretas, entende?

-Estranho, para alguém que cursou história… ela não é nem um pouco concreta.

-Suponho que é compensação, hahaha. Mas valeu o convite.

Gosto de Lili. Após ingressar esse Colégio (cerca de 1 ano e meio atrás) nos aproximamos muito, por não termos o mínimo interesse de participar do grupo mal-falante dos alunos.

Enquanto caminho em direção à garagem, observo o corredor. Colunas baixas, com um pé-direito de mais ou menos 4 metros; sinto muitas vezes que, ao pular, posso bater a cabeça, ou o medo de, do nada, o teto desabar. As paredes são cinza, as portas de madeira extremamente pesada. É fácil perceber a (quase) inexistência de janelas, pois elas se concentram nas salas de aula, e mesmo assim, são repletas de grades de ferro. Após comparações nem tão exageradas, compreendo o ódio dos alunos pela escola. Abro o portão de ferro (o único da escola) e entro na garagem de concreto, e adentro o carro.

Pequeno, com somente 2 lugares e o porta-malas, ele não convida ninguém pretendente de uma família. Oprime essas ideias facilmente, algo nem tão bom, mas o preço valeu. Família é uma idéia que permanece na minha cabeça em todo o percurso a casa. Uma mulher, filhos… mal consigo imaginar como seria, mas vejo uma pessoa: Lili.

Nunca me apaixonei loucamente, mas ela é o mais próximo desse sentimento que tenho. Confio nela, é uma amiga razoavelmente próxima e temos tempo extra-trabalho muito bom juntos. Claro, tenho meu grupo de amigos da faculdade e saímos para botequins e boates, mas o aperto de estar naqueles  lugares abafados e cheios de gente desconhecida não é nem perto de aliviante.

Esse pensamentos já permeiam minha mente a semanas. Já pensei em uma ou duas situações para tratar disso com ela, mas fico incerto e coisas do tipo. Não sinto aquele tesão em ir fazer isso, mas é uma constante, pois nada me deixa dessa maneira.

A buzina arranca na minha orelha. Quais me envolvi em um acidente, e isso move minha cabeça para fora da temática e coloca-a no trânsito. Mesmo num engarrafamento, fico focado oda frente e o de trás, com medo de uma retaliação pelo quase incidente. 30 minutos fico nessa avenida, mas chego no meu apartamento.

20m2. É esse o tamanho da moradia em que vivo. Suficiente para viver sozinho, tudo bem compacto. Sempre economizei muito, apesar de não haver destino para esse dinheiro. Suponho que seja instinto preventor… não compro nada além do necessário. Abro o armário e como um jantar, decido em mente que amanhã falaria com Lili.

Vou na gaveta, pego a câmera fotográfica  guardada para a tal ocasião  (ou só um presente), uma garrafa de Jack Daniels guardada para emergências 3 coloco na minha mochila. Soco umas roupas para esconder ambos; um shorts, uma calça jeans, algumas comidas… e não é possível mais notar a existência de ambos ou da arma branca que guardo.

Coloco a mala no sofá e caminha pra cama. Com roubo de trabalho mesmo, me jogo e durmo profundamente.

O alarme são altíssimo no ouvido, mas estranho o toque. Pego o telefone e vê que estou 30 minutos atrasado. Vou perder a 1a aula. Troco rapidamente de camiseta, passo desodorante e perfume, tomo meu café e saio após escovar os dentes.

Um acidente para a rua e sou obrigado a esperar; agora fica impossível dar a 1a, talvez até a 2a aula.  Ligo para o diretor avisando meu atraso. Após ouvir muitas, desligo e faço meu melhor, chego na escola a tempo de pegar a 3a aula.

Quando esta termina, vou para o intervalo, e sento ao lado de Lili.

-Bom dia  

-Bom… soube que atrasou hoje.

-Sim… infelizmente algo aconteceu e meu despertador não tocou.

-Que pena. Bem, acho que já vou indo para a sala então, tem matéria atrasada e tudo mais no E.

-Espera! Queria te perguntar… o que acha de sair pra jantar um dia desses?

-Jantar?

-Sim, qualquer lugar.

-Rafa, pra que?

-Ah, acho que a gente tem uma química e tal, bons amigos…

-Não.

-Não? Por que?

-Olha, muita coisa. 1o porque é do trabalho. 2o porque não somos tão amigos assim… não tivemos conversas muito profundas nesses ano e meio, né?! 3o porque você é muito morto Rafael.

-Morto?

-É. Você não vive, só está aqui. Você simplesmente se enjaulou na sua vida, nessa escola. Vive uma vida completamente vazia e eu não quero ir junto nessa.  Quero continuar com meus encontros e ambições, não estagnar num apartamento de solteiro, carro de solteiro e vida solitária com meus 25 anos. Desculpa, mas não. Agora, tenho que ir, e o Diretor quer falar contigo.

As palavras dela me atingem como socos. Confinado na minha cabeça, talvez nunca tenha olhado que ela não é bem a mais confiável. que talvez aquela escola seja uma prisão, não uma instituição de ensino. Que esse ambi engr fechado é repugnante para mim. Repentinamente, abandono as esperanças nesse modelo vivido.

O diretor chega perto e eu o mando  ao inferno. Na hora, fica explícita  minha demissão. Pego minha mochila, entro no carro. Lembro de uma estrada distante e por impulso, sigo na direção dela.

Num posto sento para decidir um plano e começo a ouvir um papo de dois homens. Um reclama de sua moto, inútil para a viagem planejada, pois vai com mala. Me meto na conversa fazendo uma proposta de troca; o carrp e pela moto. Pela velocidade e por saber qual carro era, decide aceitar. Após dar e receber as chaves, vou ao banheiro, me troco, ficando de jeans e blusa devido ao vento que rasga. O homem avisa que a moto está ruim, mas dirigível. Não me importo, só quero algo diferente.

Saio do posto em alta velocidade, seguindo em direção às serras mais vazias que consigo imaginar. Paro algumas vezes no percurso, mas nada demais, somente o motor falhando um pouco. Cai a noite e durmo num motel, entrando quando já não tenho energia para andar. Saio de lá 5h da manhã, para seguir estrada, com energia e alimento comprado.

O motor continua falhando e não tenho onde chegar, então, paro no acostamento. Passa pouco da hora do almoço, então, não me preocupo com alguém aparecer e eu sofrer ameaças, apesar de conservar a arma perto, na mochila. Sento na mureta ao meu lado; quando olho para baixo, vem a sensação de vertigem fortíssima da cabeça ao pé, pois abaixo de mim há um rio com forte correnteza, uma morte certa. Mas que importa? O que é a vida se não uma sequência de fatos aleatórios, um resultante do outro, com a constante eminência do final? Nesse momento, deitado neste muro com a garrafa ao meu lado, não estou mais perto da morte do que sentado no chão ou em casa na cama. A diferença mora na vista, pois o céu incrivelmente azul, com nuvens extremamente brancas me animam, e a correnteza faz um som de queda d’Água agradável aos ouvidos.Olho para o lado e vejo ali uma pequena estrada, mais íngrime, porém descendo até a margem. As devidas subsequentes fazem parecer um pequeno desenho, uma seguida da outra, e pego a câmera para registrar essa linda paisagem.

Este é o verdadeiro sentido para a vida, suponho eu. Do que adianta uma vida em locais confinados se a Graça de tudo está na paisagem?

Fim

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