Desde cedo na minha carreira como Mestre, eu busco incorporar módulos nos meus jogos. Apesar de gostar muito de improvisar, e escrever histórias e mundos, existe um tipo de satisfação específico nesse tipo de jogo.
O Justin Alexander, no post How to Prep a Module, compara utilizar módulos com companhias de teatro produzindo clássicos como Hamlet. Através da colaboração entre os atores e a obra, o processo criativo fica focado em representar aquilo duma nova forma; no RPG, usar módulos prontos te permite improvisar de forma mais guiada, colaborando com o autor da aventura.
Desmontando pelas partes
Quando comecei a mestrar, a primeira aventura que comprei foi o Fall of London, uma crônica completa para Vampiro: a Máscara. Ela se passa em 2012, quando um Vampiro muito poderoso volta à cidade (Mythras) e os personagens dos jogadores (PCs) o ajudam a retornar para sua antiga glória.
Minha Crônica se passava no Rio,e grande parte dessa Campanha pronta depende dos personagens prontos e/ou da ideia de que esses personagens não lembram do seu passado, dois problemas que renderam o livro praticamente inútil.
Por isso, busquei algo mais modular, e encontrei Os Monstros, uma aventura feita para introduzir jogadores para Vampiro. Sim, eu sei que esta deveria ter sido lida antes do livro enorme que eu mencionei. Vivendo e aprendendo.
Os Monstros também tem uma pegada que requer (em sua totalidade) colaboração e restrição de escolha dos jogadores em algumas cenas, mas o esqueleto dela é excelente, então acabei usando cenas dela na minha Crônica do Rio.
Fall of London não foi desperdiçada; muito pelo contrário, eu queria implementar algo dali, e então extraí dela um sisteminha muito interessante.
Contexto: no mundo de Vampiro, existe uma Segunda Inquisição, menos centralizada, mas com o objetivo de expurgar o sobrenatural— nesse caso, os Vampiros.
No Fall of London, essa Segunda Inquisição existe na forma da Operação Antígeno, e contém uma mecânica interessantíssima na qual o número de vezes que os personagens deixam evidência vampírica (leia-se: quebram a Máscara) pra trás, a Operação cresce um pouco e se torna mais presente no jogo.
Esse sistema foi o que eu re-aproveitei para minha campanha baseada no Rio, que no fim virou um caldeirão, com cenas de Os Monstros, mecânicas de Fall of London, e ganchos narrativos de Bloodlines (o jogo eletrônico de Vampiro).
Kenneth Hite e Robin D. Laws, no episódio 556 do seu podcast, aprovam esse uso! Falam sobre como uma vantagem de usar aventuras prontas é entender melhor a estrutura de jogo que um sistema específico tem, mas também para tirar coisas para utilizar fora de contexto, como eu descrevi ali em cima.
Eu trago essa aprovação por conta do gabarito enorme desses dois, como designers de jogos e aventuras. Também é uma forma de trazer uma recomendação despretenciosa!
Uma lição prática
Pouco depois, eu me aventurei num jogo chamado CJ Carella’s Witchcraft, um jogo dos anos 2000 com vibes parecidas com Vampiro, mas 100% sobre usuários de mágica. Decidi até escrever minha própria aventura do zero, um ledo engano, já que não tem nada simples sobre isso. Parte do motivo vinha pela minha relação com os outros módulos que eu usei; eles eram úteis, até certo ponto, mas ainda sim requeriam muito trabalho para utilização em mesa. Valia quase mais preparar tudo do zero.
Foi ai que percebi, por conta do excelente post do Justin, que eu estava preparando aventuras duma forma não otimizada.
Para ilustrar essa diferença, trago uma comparação entre minhas notas para a primeira sessão, baseada numa aventura semi-pronta, para o incrível jogo O Rei Amarelo, e minhas notas para a aventura Moonbase Blues, pra Mothership.
Entre essas notas, tem 2-3 anos de experiência em mestrar, uma tentativa real de me preparar melhor, e 0% de melhora na letra.
A lição mais relevante é a técnica: ler, anotar, expandir.
Ler encompassa ler a aventura inteira, mas ir pensando sobre como seria rodar ela. Em Moonbase Blues, for exemplo, eu estava pensando sobre como eu queria descrever as salas, sobre como começar a sessão, e até em ir atrás de ouvir alguém jogando elas antes.
Anotar é o que você viu ali em cima; eu quebrei o cenário em partes essenciais (baseadas no excelente Warden’s Operations Manual) separei onde eu encontraria coisas extras sugeridas pelo cenário, e deixei espaço para anotar durante a sessão.
Expandir é o mais divertido, e que tende a agregar mais. Nesse caso, eu pesquisei mídia que fosse me ajudar a construir o ambiente do jogo melhor, como esse vídeo que é apresentado como material encontrado no mundo, mapas estilizados, e tabelas de randomização relevantes.
Depois disso, tudo ficou mais fácil.
Em suma
Usar aventuras é incrível, mas fica ainda melhor se você usá-las direito. Seja as desmontando e usando as partes na sua ou rodando sem adaptação, sempre tem um jeito de fazer uso dessas pequenas obras.
Vale notar que as dicas rápidas acima são um bom começo, porém eu recomendo muito, se você entende inglês, a ler o How to Prep a Module; afinal, o post dele foi o começo pra esse post. Também deixo aqui recomendado o podcast Ken and Robin Talk About Stuff, que fala sobre como gamificar tudo e qualquer coisa, e certamente vai elevar seu jogo.
Se você não usa, experimente usar uma aventura. Existe uma chance enorme de você se deliciar com o quão diferente é de simplesmente tirar a sessão do seu bolso.